Artigo de Opinião
Francisco Gírio, Secretário-geral da APCV-Cervejeiros de Portugal
Cerveja: um peso pesado económico ignorado
Há um ano, sensivelmente por esta altura, o setor cervejeiro recebeu com enorme choque a notícia de que o Orçamento do Estado para 2024 preveria um agravamento de cerca de 10% no imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA).
Esse agravamento fiscal, aplicado a diversas bebidas alcoólicas, com a exceção do vinho, levantou questões sobre a disparidade de tratamento entre setores importantes para a economia, para os hábitos de consumo associados à gastronomia e para a cultura portuguesa. Em última análise, essa diferença legislativa poderá tornar mais difícil a coexistência harmoniosa entre setores num mercado onde, já se viu, existe espaço para comportar diferentes bebidas que não são necessariamente concorrentes.
Talvez se trate aqui de um problema de perceção por parte dos legisladores, que entendem o setor do vinho como estando mais intrinsecamente ligado ao tecido económico, à agricultura e à cultura dos portugueses.
Mas a verdade é que vinho e cerveja são bebidas alcoólicas, de origem fermentativa, ambas enraizadas nos nossos hábitos culturais, com fileiras em território nacional e ambas contribuindo substancialmente para o PIB nacional e para a criação de centenas de milhares de postos de trabalho. Por isso, ambas necessitam de ser protegidas pelo Estado por serem setores económicos exportadores com peso na balança económica nacional.
A cerveja, em 2022, contribuiu com mais de mil milhões de euros em receitas fiscais para os cofres do Estado, gerou um valor acrescentado de 1,6 mil milhões de euros. Foi também responsável, direta e indiretamente, por mais de 97 000 empregos em Portugal, em todas as atividades da sua fileira: das vidreiras nacionais que produzem as garrafas às empresas produtoras de papel e de plástico que produzem as embalagens secundárias e terciárias, aos agricultores no Ribatejo e no Alentejo, produtores de cevada que abastecem as nossas malterias industriais, aos agricultores que cultivam lúpulo no Minho e em Trás-Os-Montes, até aos nossos consumidores a quem a cerveja chega via empresas de retalho alimentar para consumo em casa ou via bares, restaurantes e cafés onde a cerveja é sinónimo de alegria e convívio.
A cerveja é também um forte patrocinador da cultura e desporto em Portugal, cujo impacto para os festivais de arte, de música, de eventos desportivos e de patrocínios é transversal a toda a sociedade. Seria possível aos portugueses conviverem em redor de um petisco ou de uma refeição enquanto assistem a um jogo de futebol na TV, em casa ou num bar, sem uma cerveja? Seria, mas não era a mesma coisa.
Apesar de a cerveja ser a bebida com menor teor alcoólico, é colocada pelos legisladores dentro da mesma categoria fiscal das bebidas espirituosas. Pelo facto de serem bebidas alcoólicas, os legisladores são também useiros e vezeiros em taxar um imposto especial de consumo, porque o álcool faz mal à saúde e a indústria deve pagar por isso. Esquecem-se, no entanto, que esse mesmo imposto é aplicado seletivamente à cerveja, mas não a todos os setores de bebidas alcoólicas.
Esta penalização fiscal, sempre que é agravada anualmente, tira competitividade ao setor, impossibilitando-o de criar mais postos de trabalho e de gerar mais riqueza nacional dentro da cadeia de valor, desde a agricultura à indústria, comércio e serviços. E não somenos, estrangula as empresas artesanais de cerveja, uma das fontes de desenvolvimento do nosso País, que criam postos de trabalho qualificados e são já um património estratégico da nossa economia. Desta vez, e ao contrário dos últimos dois anos, a proposta de OE2025 entregue no Parlamento não prevê aumento do imposto especial de consumo sobre a cerveja. E ainda bem.
Só desta forma, é possível reforçar a competitividade do setor e, por arrasto, da economia nacional, dado que a cerveja a impacta de forma relevante o seu desempenho. Um estudo da Europe Economics, divulgado recentemente, calcula, por exemplo, que por cada euro investido no setor este devolve 17 euros à economia.
Apoiar o setor cervejeiro significa que este não deve ser discriminado negativamente relativamente a outros setores de bebidas alcoólicas. Significa também apoiá-lo no seu esforço de promoção de uma cultura de consumo responsável, beneficiando todos os portugueses.